sexta-feira, 12 de junho de 2015

Os quatro níveis de maturidade na guerra política

 

Não podemos negar a guerra política do mesmo modo que não podemos negar a morte, os impostos e o clima. Ela é um fato da vida. Porém, podemos nos posicionar em termos de maturidade em relação à guerra política. A negação à política é apenas conscientização diante do inexorável.
Defini um modelo de quatro níveis para resolver um dos maiores problemas que tenho notado na direita: a incapacidade de comunicação interna. Geralmente o que vemos são pessoas pertencentes a níveis diferentes de maturidade (consciência) na guerra política e, por isso, entrando em conflitos desnecessários. Quando alguns entram com discurso “ó céus, ó vida, está tudo dominado, está tudo acabado”, em alguns casos o faz por desconhecer as regras do jogo.
O modelo que apresentarei abaixo permite um alinhamento em termos de comunicação, pois, ao identificarmos alguém de acordo com o seu nível, podemos explicar melhor as coisas. .
Mais ainda: o nível de alguém nesta escala de maturidade nos permite até prever como essa pessoa irá compreender qualquer informação recebida, e quais suas consequências. Uma vez que você tenha identificado seu público alvo em um nível, o resultado de sua comunicação muda.
Eis abaixo os quatro níveis:
  • 0 = inconsciente
  • 1 = consciente do jogo
  • 2 = consciente das regras do jogo
  • 3 = identidade de jogo
Parece até uma versão “light” de um CMMI, não? [nota: CMMI significa Capability Maturity Model – Integration, e é focado para as empresas de desenvolvimento de software).
Vamos aos níveis
0 – Inconsciente
Imagine que um time esteja em campo jogando para ganhar e outro não saiba sequer o que está fazendo no campo. Imagine que você chega para os “jogadores” deste segundo time e diz: “Ei, você sabe que aquilo que eles estão fazendo são gols? Você sabe o que são os gols? Você sabe que neste campo sai um vencedor e um perdedor? Você sabe que se meter a mão na bola, eles se dão bem?”. Daí recebe como resposta: “É sério isso? Ahh… vê está tirando com a minha cara, mano. Fala sério..”.  É evidente que estamos diante de pessoas inconscientes de que participam de um jogo. Uma pessoa assim não vai entender que bolas na rede significam um gol, e que se ele meter a mão na bola é uma falta para o adversário.
Quase todos intervencionistas e muitos anarcocapitalistas se encaixam neste grupo. Com certeza, o cidadão comum se encaixa aqui. Não estou dizendo que são incapazes para a vida fora da política, pois algumas pessoas podem ser um desastre no pensamento político mas irem muito bem em seus afazeres fora deste escopo. Porém, este método considera como a pessoa se sai na guerra política, independentemente de sua habilidade em outras áreas.
Este é um estágio realmente complicado, pois as pessoas aqui localizadas simplesmente não vão entender o que uma pessoa politizada fala. Eles não tem como entender pois possuem uma estrutura mental completamente diferente. São como dois mundos em choque. A comunicação com eles, neste estágio, depende de muitas metáforas e doses cavalares de paciência.
1 – Consciente do jogo
Neste nível a pessoa já sabe pensar de uma forma mais “maquiavélica” (e isso não é negativo) e possui um certo realismo. Mentes assim já começam a polir melhor o seu vocabulário, para não dizerem besteiras. Elas interagem melhor e reduziram, embora não tanto, sua capacidade de servirem de pretexto para propaganda adversária. O problema é que nessa fase você ainda fala em Saul Alinksy e David Horowitz e elas não dão muita importância. A impressão de que se tem é que elas parecem achar a guerra política algo muito difícil (não é tanto assim), e portanto preferem acompanhar outras pessoas vencendo debates.
Basicamente, pessoas nesse nível entendem, intuitivamente, o que gera ou não um efeito positivo ou negativo. Elas apenas não entendem o porque. Exatamente por isso, esta é uma fase onde vários equívocos são cometidos. A vantagem é que aqui elas já estão abertas aos novos conhecimentos.
No exemplo do futebol, imagine que você seja uma criança perguntando para o pai: “Se o Corinthians perder o título, dá para voltar o jogo?”. Ele vai morrer de rir e dizer, afetuosamente: “Não, filho, não dá para voltar”. Mas ao menos existe a noção de que há um jogo. Daqui para a frente a coisa melhora.
2 – Consciente das regras do jogo
Aqui neste nível a pessoa já conhece as regras fundamentais das guerra política. Já foi atrás de saber o que é controle de frame. Leu o código de David Horowitz. Entende exatamente o que é estratégia gramsciana. É claramente uma pessoa interessada no assunto. Neste ponto, há muita troca de experiências. Já recebi boas dicas de várias pessoas neste estágio.
Como característica fundamental deste estágio temos as típicas confusões, que são plenamente normais. Neste estágio, por exemplo, alguém pode ficar em dúvida com a regra dizendo que “o agressor geralmente prevalece”. Mas daí ele vê uma pesquisa dizendo que Aécio foi “mais agressivo” no segundo turno, e por isso aumentou sua rejeição. Mas alguém mais experiente nessas regras irá notar que ser “mais agressivo”, na visão do público, não significa nada. Na verdade, definir seu adversário como “mais agressivo” e dizer  “mais amor, por favor” é ser o mais agressivo na rotulagem do oponente. Ou seja, Aécio foi rotulado como “mais agressivo” porque, na guerra política, ele foi MENOS agressivo que Dilma.
Voltando ao futebol, quem está neste estágio está pronto para entrar em campo, mas ao mesmo tempo está em fase do aprendizado básico. É fato que aqui alguém está jogando o jogo, mas pode cometer enganos e até equívocos e derrapagens.
3 – Identidade de jogo
Nesta fase, digamos que “o jogo já joga o jogo”, ou seja, sua mente internalizou os conceitos da guerra política da mesma forma que dirigimos. Imagine-se trocando de marcha (isso na hipótese de você não dirigir um carro automático). Você não pensa “ah, agora preciso colocar a marcha 2, ou 3″. Nada disso. Todo o processo já é subconsciente.
A partir deste momento, o “core” das regras políticas não é algo em que você precise pensar. Você já pensa em como combinar as técnicas de diferentes lugares, e até ampliar todo o “core” que você já possui. As técnicas de autores como Gene Sharp, Saul Alinsky e David Horowitz são apenas itens em um catálogo, como se você estivesse se servindo em um restaurante gratuito e você fosse um saco sem fundo. Mas você tende a saber escolher bem o que precisa na hora certa.
Outra vantagem deste estágio é que você adquire sangue frio. Porém, você se torna um tanto cínico, no aspecto positivo. Digamos que nesta fase dificilmente você se decepciona com o ser humano. Até porque você não tem mais tantas ilusões. E, ao mesmo tempo, se torna focado em resultados.
No caso do futebol, imagine-se jogando PRO Evolution Soccer, no Playstation. Você conhece todos os comandos, sabe as regras, e agora quer saber comandos especiais para se diferenciar e pensar em melhoria contínua.
Nota final
Ainda pretendo aprimorar este modelo com checklists, e até compartilhar conteúdos de transição entre os modelos. Da mesma forma, entendo que precisamos avaliar o que ocorre em cada um dos níveis. Por exemplo, se alguém que está no nível 0, mas teimosamente não quer assimilar o jogo, nem mesmo com as boas metáforas, podemos alinhar melhor nossas prioridades em relação a se vale a pena seguir investindo esforço aonde não existirá retorno. Por outro lado, oportunidades podem ser encontradas a partir da tendência de alguém estando em um nível e motivando-se a ir para o outro. Entendo que um bom objetivo é encontrar pessoas de nível 0 e estimulá-las a ir para o nível 1 e 2. E lutar para formar um time de formadores de opinião que esteja no nível 3. Em relação a pessoas do nível 0 e que decididamente não queiram ir para o nível 1 (e muitas teimosamente se recusam, acredite), podemos deixar claro então que temos um objetivo, fazemos parte de um jogo e ela não participa e, portanto, não deve interromper quem joga.
E aí, alguém concorda com os níveis escolhidos? São suficientes? Há mais necessidades? Isto pode ser útil? Comentários e sugestões são bem vindos, até na circunstância de melhorias no método.
Fonte: http://lucianoayan.com/2015/06/06/os-quatro-niveis-de-maturidade-na-guerra-politica/

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